A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimava, em 2017, que o autismo afetava uma em cada 160 crianças no mundo. Em 2020, essa proporção já subiu para uma em cada 54!! Sabe-se que é cada vez mais comum o nascimento de crianças diagnosticadas com o chamado Transtorno do Espectro Autista (TEA), o que exige que os órgãos públicos tenham um olhar mais atento para o atendimento dessas pessoas que, certamente, precisarão de acompanhamento e cuidados a vida toda. E os desafios são grandes, visto que cada autista pode apresentar traços e comportamentos tão singulares, que exigem que pais e profissionais da Saúde descubram juntos a melhor forma de lidar e desenvolver seus anjos azuis, forma carinhosa com que se convencionou chamar os autistas. A Apae de São Vicente, que acaba de completar 34 anos de vida, sabe muito bem do tamanho dessa responsabilidade. Tanto assim que, desde janeiro de 2014 vem trabalhando firmemente nessa missão no seu Centro de Atendimento Especializado do Transtorno do Espectro Autista (TEA), se tornando a única unidade apaeana a ter esse tipo de atendimento na Região Metropolitana da Baixada Santista, que abrange nove municípios. Isto depois do chamamento público ocorrido em 2012, pela Secretaria do Estado de São Paulo, e do convênio firmado por cinco anos após a assinatura, já em 2013. Vale destacar que o mesmo sofreu um aditamento de um ano em 2019 e em 2021 foi renovado por mais sete anos. Assim, há oito anos a Apae vicentina se tornou referência na região, atendendo, hoje em dia, 50 autistas de 2 a 12 anos de idade. O projeto, que engloba as áreas de Assistência Social, Saúde e Educação, começou a ser desenvolvido pelas mãos da assistente social Lúcia Lela em janeiro de 2014 e, desde 2019, está sob a coordenação do fisioterapeuta Igor Roberto N. da Silva. Atualmente, a equipe multidisciplinar conta com assistente social, enfermeira, auxiliares de Enfermagem, fonoaudiólogas, psicóloga, psicopedagoga, fisioterapeuta, médica neurologista, terapeuta ocupacional e educadores físicos, além da auxiliar de serviços gerais, que também dá aquele apoio. Em dois períodos (manhã e tarde), esses profissionais se revezam na estimulação e acompanhamento terapêutico das crianças, que são atendidas em grupos de quatro ou cinco, nas nove salas disponíveis na unidade. Segundo Igor, que durante a pandemia teve de readaptar os atendimentos para a forma remota e/ou presencial (este individualmente), atender em grupos sem perder a qualidade dos atendimentos tem sido o maior desafio, atualmente, uma vez que cada criança possui características e necessidades muito próprias. “Com isso, os principais objetivos estão focados na aquisição ou aprimoramento de habilidades básicas e comunicativas (manter contato visual, sentar, esperar, pedidos verbais ou gestuais)”, explica. Interação com as famílias A interação com as famílias dos autistas também é fundamental em todo o processo, como destaca Igor, uma vez que ainda há muita falta de informação sobre autismo, após o diagnóstico e encaminhamento feitos pelo Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS-i), do Município, e o Departamento Regional de Saúde (DRS-IV), este vinculado ao Governo do Estado. “Faz-se necessário o acolhimento dessas famílias, dando todo suporte e informação sobre o que precisam”, reforça o coordenador. Segundo afirma, há muita dificuldade de se generalizar um comportamento aprendido no Centro TEA pela criança autista. “Por isso, enfatizamos a importância da família junto com a gente, do treino parental (direcionado aos responsáveis), e a importância de proporcionar vivências de lazer para as famílias que tanto precisam”. Esta prática, inclusive, vinha acontecendo rotineiramente antes da pandemia e deve ser retomada em breve. Igor explica que toda criança que chega ao TEA é avaliada e recebe os atendimentos adequados às suas necessidades cognitivas e comportamentais, conforme seu grau de comprometimento. A cada semestre, é dada uma devolutiva para os pais ou responsáveis sobre o desenvolvimento da criança e a possível alta, conforme a sua evolução. Caso a criança ainda precise do atendimento multidisciplinar, ela permanece na Apae, sendo submetida a avaliações semestrais. Conforme o seu desenvolvimento, a criança pode ter alta e ser encaminhada para atendimentos mais específicos na área terapêutica, ainda na rede pública de Saúde. Senão, Igor explica que a criança pode permanecer no Centro TEA até o limite dos 12 anos de idade. Sobre o momento de dar alta ao paciente, aliás, Igor comenta da grande dificuldade enfrentada, devido à carência de serviços especializados para autismo na rede pública. “A criança diagnosticada com F-84 recebe alta quando atinge seus objetivos traçados no Plano Terapêutico Singular (PTS), ou quando alcança a idade máxima (12 anos); ou quando não necessita de um atendimento multidisciplinar, mas individual e específico”, detalha o coordenador, ao acrescentar que se trata “de um trabalho difícil, que precisa ser desenvolvido com muito amor e conhecimento”. A cada alta são abertas outras vagas na imensa lista de espera da DRS-IV, uma vez que a demanda é crescente não só na região, mas em todo o mundo. Manutenção dos profissionais Outra dificuldade apontada pelo coordenador do Centro TEA é manter por um longo tempo a mesma equipe de profissionais, devido ao crescimento do mercado de trabalho no campo do autismo em clínicas particulares. Da mesma forma, há uma certa carência de profissionais com perfil para atuar com esse tipo de paciente. Apesar disso, o quadro de profissionais tem se renovado e vem sendo adaptado conforme a demanda. Ao mesmo tempo, está sendo ampliado o espaço de atendimento das crianças, com o intuito de reduzir os grupos, de forma a melhorar a qualidade do serviço prestado. Nos próximos meses, Igor espera poder novamente prestar um atendimento psicológico em grupo para as famílias, retornando também os passeios externos que já aconteciam antes da pandemia, sempre com a presença dos profissionais, crianças e responsáveis. “O objetivo é vivenciar situações e atividades do dia a dia, além de promover rodas de conversas com a assistente social e a enfermeira”, salienta. Também com a flexibilização da pandemia, foi possível realizar a sexta edição da Caminhada do Dia Mundial da Conscientização do Autismo, comemorado no último dia 2 de abril. O evento reuniu várias famílias dos autistas e profissionais da Apae, com a realização de inúmeras atividades lúdicas e interação. Tudo com o propósito de mostrar à sociedade a importância de se respeitar esses verdadeiros anjos azuis.
Apae São Vicente
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